Além de sua
casa no pequeno sítio, seu único patrimômio é o Fusca avaliado em pouco mais de mil
dólares. Como transporte oficial, em vez dos carrões com ar-condicionado dos
demais presidentes, ele usa um Corsa. Sua mulher, a senadora Lúcia Topolansky,
parceira de muitos anos, também doa boa parte de seu salário. Mujica vive de
forma espantosamente simples, apesar de presidir um dos países mais importantes
da América do Sul, nunca usa gravata (é quase sempre uma camisa branca com
casaco) e convive com os mesmos amigos de antes da eleição que o conduziu ao
poder. É capaz de pegar o Fusca, ir até uma loja de ferragem comprar um
acessório de banheiro e, no caminho, parar em um pequeno estádio para animar os
jogadores do Huracán, time da segunda divisão, e prometer um churrasco caso
subam para a Série A. Sem contas bancárias ou dívidas, de acordo com o jornal El
Mundo, ele apenas repete que espera concluir seu mandato para um descanso
sossegado no Rincón del Cerro.
A vida
simples não é mera figuração ou tentativa de construir uma imagem, seguindo orientações de um
marqueteiro. Não, ela faz parte da própria formação de Mujica, um homem que
lutou contra a ditadura, foi preso e, ao lado de dezenas de Tupamaros,
participou de uma fuga cinematográfica da antiga prisão onde hoje está o Centro
Comercial Punta Carretas, em Pocitos, lutou pela volta da democracia e hoje é
presidente eleito do país. Tudo isso sem abrir mão de suas convicções, em
nenhum momento – a ponto de rejeitar a ideia de mudança de sua vida por ser o
chefe de uma nação
No último dia
24 de maio, por ordem de Mujica, uma moradora de rua e seu filho foram
instalados na residência presidencial, que ele não ocupa por seguir morando no sítio.
Ela só saiu de lá quando surgiu vaga em uma instituição. Neste início de
inverno, a casa e o palácio Suarez y Reyes, onde só acontecem reuniões de
governo, foram disponibilizadas por Mujica para servir de abrigo a quem não tem
um teto. Em julho do ano passado, decidiu vender a residência de veraneio do
governo, em Punta del Este, por US$ 2,7 milhões. O banco estatal República
comprou e transformará a casa em local de escritórios e espaço cultural. Quando
ao dinheiro, será inteiramente investido – por ordem de Mujica, claro – na
construção de moradias populares, além de financiar uma escola agrária na
própria região do balneário.
Ele nem se
preocupa em reforçar seus esquemas de segurança e, ao circular no Fusca ou
em um Corsa, claramente não está a bordo de veículos blindados. Nem sei se é
certo ou não alguém, no papel de um país, com toda a importância que o cargo
tem e nestes tempos loucos ditados muitas vezes por fanatismo, levar a vida de
uma pessoa comum. Até acho que não. Afinal, um presidente não pode conduzir sua
própria vida. Há milhões de pessoas que deram a ele o direito de dirigir um
país e esperam não ver nada abalando esta tarefa – e é por isso que de Barack
Obama, num extremo, a Dilma Rousseff, no outro, todos os presidentes são
devidamente protegidos por fortes esquemas de segurança. Ao ser eleito, o
escolhido faz uma espécie de renúncia pública de sua autonomia – e sabe que não
terá mais tanta liberdade assim.
O que me
causa profunda admiração no caso de Mujica, independentemente das razões destacadas acima,
é ver alguém que se recusa a renunciar a suas próprias convicções, mesmo
desafiando todas as regras do protocolo. Ele pensa nestes princípios, lutou a
vida inteira por eles, arriscou sua segurança e de sua própria família, por que
mudar logo agora? Foi eleito por isso, certamente, por suas ideias e estilo de
vida. Dane-se a liturgia do cargo, deve pensar este uruguaio. Para Mujica, ela
não tem importância. O que importa, acima de tudo, é dormir com a consciência
tranquila de quem sabe que seguiu sempre um padrão de conduta – que não mudou
nem na ditadura, nem nos bons tempos da democracia que ele e seus velhos
companheiros ajudaram a construir.
O mundo seria um lugar bem melhor e, com toda a certeza,
muito mais pacífico se tivéssemos outros Mujicas conduzindo países por aí.